domingo, 12 de setembro de 2010

Em cartaz no Sesc Pinheiros, peça "Criminal" une humor inteligente e critividade cênica



Foto: Luiza Campanelli/Divulgação
De repente uma peça num sábado à noite. Os motivos? A confiança - ou aposta - num  certo "padrão Sesc São Paulo" de qualidade na programação cultural, mas também a aventura de descobrir o quanto e como um espetáculo teatral pode nos atingir em cada momento.


Já foi dito que viver é correr riscos. Conferir uma produção cultural disponível em São Paulo desconsiderando as estrelas nos guias jornalísticos de fim de semana ou as críticas nos cadernos de cultura é um jeito perigosamente interessante de vivenciar a agenda artística da maior cidade do país e quarta maior do planeta.


Assim se deu no último sábado, 11 de setembro, com a peça "Criminal", em cartaz no auditório do Sesc Pinheiros até 2 de outubro. Tudo o que eu tinha em mãos era o ingresso, o nome do espetáculo e pequenos fragmentos da sinopse lida semanas antes.


Consegui saber, ou melhor, ter alguma idéia sobre o que me aguardava, apenas cerca de 15 minutos antes do início de "Criminal", após a rápida leitura do resumido programa da peça. Um folheto simples, mas de bom gosto estético e com informações na medida exata do que o público deveria saber antes de embarcar no texto do autor e diretor argentino Javier Daulte transformado em aventura cênica dirigida por Pedro Granato. 


Com duração de 40 minutos e trilha sonora assinada pela talentosa Natalia Mallo, é interessante perceber que a primasia da concisão permeia todo projeto, iniciando já na concepção de seu "folheto informativo"; na falta de melhor sinônimo para "programa da peça"... Importante avisar para o leitor comum que jornalistas sofrem de "síndrome de sinonímia crônica"...


Voltando ao que interessa, "Criminal" trabalha com espelhos, nos sentidos simbólico e literal do termo, para contar com humor inteligente e timing certeiro a história de um assassinato que envolve um casal em crise e dois psicanalistas, personagens interpretados por Gabriela Caraffa e Diego Torraca, Eduardo Semerjian e Ernani Sanchez, respectivamente.


A criatividade cenográfica desperta a atenção do público mesmo antes do início do espetáculo. Um mesmo espaço, serve para a representação de quatro ambientes demarcados apenas pela iluminação e por dois espelhos translúcidos dispostos em "V" no centro do palco que, conforme a incidência de luz, nos transportam entre dois consultórios e os cômodos da residência do casal em crise em criativa estrutura de idas e voltas.


Num interessante processo de cenas curtas de corte seco, somos deslocados ao consultório do analista da esposa descompensada emocionalmente, localizado no canto esquerdo do palco. No momento seguinte, somos levados à sala de atendimento do terapeuta do marido, ao direcionarmos o olhar para o lado direito do palco.


Habilmente utilizados pelo diretor, a edição de cenas com uso da iluminação permite à platéia outra experiência, além das trocas de ambientes: saltos temporais no fluxo da história. Assim, a clínica na qual o marido realiza suas consultas também é o local onde o outro psicanalista vai encontrar o colega de profissão na tentativa de evitar um possível assassinato. Ao mesmo tempo,  acompanhamos a memória das sessões mais recentes realizadas nos mesmos espaços cênicos, tanto com o marido angustiado, quanto com a esposa desnorteada.


Desnecessário a peça começar com um dos terapeutas entrando no palco pela platéia. Também desnecessária certa entonação - caricata?- das vozes dos dois atores que interpretam os profissionais da psicanálise nas cenas iniciais, como se não confiassem na verdade e na potência dramatúrgica de suas falas, todas com ótima estrutura cômica. Para o bem de todos, conforme a inevitável boa receptividade do público, Eduardo Semerjian e Ernani Sanchez adquirem confiança durante a apresentação e terminam a peça com suas vozes mais firmes do que nunca, não deixando dúvidas sobre o talento de ambos.


Inteligente sem ser "cabeça". Bem feita sem ser pretensiosa. É por meio destas qualidades que "Criminal", apresentada anteriormente em Buenos Aires, Nova York, Montevidéu e Madri, integra a lista daqueles exemplos de que entretenimento e arte não são formas excludentes.


Criminal
Texto: Javier Daulte
Direção: Pedro Granato
Elenco: Eduardo Semerjian, Gabriela Caraffa, Diego Torraca e Ernani Sanchez
Trilha sonora: Natalia Mallo


Sesc Pinheiros
Auditório - 3o andar
R. Paes Leme, 195 - Pinheiros - SP/SP
Tel.: (11) 3095-9400
Sextas e sábados - 21h30
70 minutos
R$ 20 (inteira)
Até 2 de outubro

2 comentários:

  1. Gostei demasiadamente de sua análise. Ressalvo, apenas que a duração da peça é de 40 minutos. Início: 21h30min. Término: 22h10min.

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  2. Olá, Emerson. Agradeço a "confiança" na pouca informação pré-peça, este post comentando sobre nosso trabalho e tb por me avisar que escreveu. Fazer CRIMINAL é um grande prazer pra todos os envolvidos. Abraço. Eduardo Semerjian.

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