quarta-feira, 7 de outubro de 2009

MEMÓRIAS DE UM ESPECTADOR (05/10/2009)

Imagem: Reprodução

No depoimento a seguir, o grande amigo e ser humano José Cetra faz homenagem definitiva à Mercedes Sosa

MEMÓRIAS DE UM ESPECTADOR (05/10/2009)

Aquele novembro de 1976 foi pródigo em atrações argentinas nos palcos de São Paulo. Apresentaram-se naquele mês: Piazzolla (no Anhembi), Susana Rinaldi (no TUCA), Mercedes Sosa (no Anhembi) e o grupo Les Luthiers (no Municipal). Espetáculos memoráveis apresentados nos anos difíceis da ditadura militar, (tanto aqui quanto lá) tempos nada saudosos no que tange ao momento político, mas inesquecíveis no que se refere à presença dessas figuras míticas da música popular latino americana nos palcos paulistanos.

Recordo-me, em especial, da apresentação de Mercedes Sosa no Anhembi no dia 20 de novembro de 1976. Nossos ingressos (eu, a Vera e talvez o Arthur e o Edu) eram para a sessão das 22h30 (haveria uma sessão também às 20h). Mariana ainda era bebê e nós a deixamos na casa de uma das avós.

A caminho do Anhembi enfrentamos um trânsito descomunal em função de um famigerado Salão do Automóvel que estava sendo realizado no mesmo local. Caminhos praticamente parados e intransponíveis. Fúria e revolta total da nossa parte e...máxima ironia: a possibilidade de perder o show da revolucionária Mercedes devido à realização de um dos baluartes da sociedade de consumo capitalista. Conseguimos chegar ao Anhembi bem depois das 22h30 com o coração na boca e a alma em polvorosa, mas para a nossa alegria, os shows foram retardados e o nosso, previamente marcado para as 22h30, começou à meia noite, indo terminar às 2h30 da manhã.

Foi inesquecível! Durante duas horas e meia Mercedes desfilou as suas indignadas canções de protesto, batucou com energia o seu bumbo e sacudiu o público que, a uma palavra de ordem sua, sairia às ruas externando sua raiva reprimida e sua voz censurada. Foram momentos de uma rara troca de energia entre artista e público. As canções que Mercedes cantava com sua poderosa, mas encantadoramente suave voz, caiam como uma luva no triste momento histórico/político que vivíamos.

Quase 33 anos depois chega a notícia da morte de “La Negra”. Perdi contato com sua obra nos últimos anos, mas cheguei perto de sua vida ao ler em 2003, a sua admirável biografia escrita por Rodolfo Braceli.

No livro Mercedes declara que além de andar de avião e de cantar em público, um dos seus maiores medos era morrer. Foi admirável cantando para tantos públicos e para fazê-lo deve ter enfrentado muitas viagens de avião. Faltava encarar a morte. Deve tê-lo feito com a coragem e dignidade próprias de seu caráter.

Mercedes fecha a sua biografia com a seguinte frase “Verdaderamente la muerte es uma mierda. Uma mierda para los que se van. Y uma mierda para los que se quedan sin los que se van”. De acordo, Mercedita: sem você, isto aqui vai ficar uma merda, afinal:

SI SE CALLA EL CANTOR, CALLA LA VIDA.
JOSÉ CETRA – ator, diretor, sonoplasta e dramaturgo, dirigiu A Exceção e a Regra, de Brecht, Andorra, de Max Frisch, e A Urna; 1,2,3...103. Dramaturgo, escreveu, dentre outras, as peças O Momento Negro que Antecede o Dia, Somos ou Não Somos?, Estive no Paraíso e Lembrei-me de Ti e Que Fim Levou Carlotinha? Sonoplasta, atuou em vário s espetáculos, dentre os quais Senhora dos Afogados, de Nélson Rodrigues, premiado no Festival de Nova Atenas, em 1998. Faz, também, contação de histórias e realizou pesquisa em dramaturgia para o Centro Cultural São Paulo (“O autor brasileiro nos palcos paulistanos no período de 1990 a 2008”).

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