sábado, 28 de agosto de 2010

Na alegria e na tristeza, esperança sempre

Reprodução


"5x Favela - Agora Por Nós Mesmos". Provavelmente o início de um novo jeito de a periferia ser apresentada no cinema nacional, após o impacto de filmes como Cidade de Deus (e sua consequência intelectual denominada pela pesquisadora Ivana Bentes como "Cosmética da Fome").


À periferia violenta e triste acrescenta-se uma gente que vive em condições precárias, mas que, a despeito disso, não perde a esperança ou a inteligência para criar os recursos para buscar momentos de felicidade e esperança em seu cotidiano de ruas tortas e ou não pavimentadas, esgoto a céu aberto, postes com emaranhados de fios elétricos, longos trajetos em transportes públicos superlotados que os levam, de suas casas de tijolos e  encanamento expostos, até seus trabalhos ou escolas.


Por mais que a classe cinematográfica brasileira tenha tentado, por anos a fio, mostrar esta realidade nas telas, sempre estiveram limitados ao insuperável olhar do "estrangeiro". Porque cineasta na periferia, assim como pesquisadores acadêmicos, políticos em campanha ou financiadores de grandes Organizações Não Governamentais sempre serão estrangeiros querendo entender ou alterar uma realidade da qual não fazem parte, porque nela não nasceram e da qual têm apenas a visão do estereótipo.


Já faz algum tempo que tenho ouvido aqui e ali que o filão da violência no cinema brasileiro contemporâneo estaria em processo de esgotamento. Não é possível saber se filmes como "5x Favela - Agora Por Nós Mesmos" , ou o inédito "Bróder" de Jeferson De, são a prova desta especulação.


Porém, o fato é que além de o fornecimento de recursos técnicos e tecnológicos, assim como de instrução para que os moradores das regiões periféricas passassem a produzir e divulgar a "sua versão/visão" sobre a realidade na qual nasceram e vivem, estes cidadãos sempre olharam com risos ou desaprovação, as tentativas de representação de sua realidade feita por quem não "é do pedaço".


Recordo-me de uma entrevista que fiz com o escritor Ferréz, após assistirmos juntos o indispensável filme "Cronicamente Inviável" de Sergio Buianchi. Na ocasião, pedi ao autor do Capão Redondo que apontasse o que era real e que era falso naquela representação cinematográfica da pobreza, da violência e do embate social presentes na realidade brasileira. 


Em uma conversa de quase três horas no Café do Anexo do Espaço Unibanco, em São Paulo, o autor de "Capão Pecado" foi apontando vários momentos nos quais - no máximo - roteiro, interpretação e direção aproximavam-se da "vida como ela é" na periferia. Mas a conclusão final era uma só: o nível de representatividade era fraco.


Pois bem, parece que chegou a hora e a vez dessa moçada mostrar a sua cara como crêem que ela deva ser vista e entendida pelo público do cinema nacional - quiçá da TV também. Assim, o avanço que "5x Favela..." traz em relação ao amado e odiado (pela "comunidade") "Cidade de Deus" é um olhar menos maniqueísta da realidade das periferias brasileiras.


Há violência nas periferias? Claro que há. Mas o trabalho produzido por Cacá Diegues mostra que este estado não é o único parâmetro de vida da população desses locais. E mais. Violência não é algo exclusivo da pobreza ou dos subúrbios. Há coisa mais classe média do que bullying, ou garotos da Barra da Tijuca atacando mendigos e empregadas domésticas em pontos de ônibus?


Há falta de infra-estrutura nas favelas? Claro que há. Mas isso não impede que as famílias deste locais brasileiramente improvisem para manter suas residências limpas, com chão encerado, suas roupas lavadas e passadas, seu filhos de cabelo cortado, banho tomado e uniforme limpo para irem para a escola. Os adultos locais fazem o mesmo, trabalhando durante o dia e estudando à noite, muitas vezes de segunda à sábado, para buscar ascensão social fora dos esquemas possíveis na política ou no crime.


O cenário esteticamente feio das casas de alvenaria com sua luzes amarelas das periferias brasileiras denunciam, não o desleixo dos moradores, mas sim que aqueles locais estão esquecidos pelo Estado. Os sorrisos desdentados dos passageiros dos trens mostram não que eles não tenham higiene ou auto-estima, até porque eles não têm vergonha de rir mesmo com alguns dentes faltando. Tal cenário mostra que a saúde pública no Brasil vai tão mal que não há tratamento odontológico em quantidade suficiente para dar conta da população que não pode pagar um dentista particular.


O empurra-empurra no transporte público em horários de pico na ida ou na saída do trabalho, rumo à escola ou à casa,  mostra não a falta de educação de uma parte da população, mas sim que ônibus, trem, metrô oferecido está aquém da demanda. Mostra ainda que a infra-estrutura de ruas e avenidas está saturada, causando congestionamentos monstruosos que desumanizam também os motoristas dos carros zeros 2.0 com ar condicionado, também atrasados para seus compromissos e xingando uns aos outros ou buzinando ensurdecedoramente como se, numa nova lei da Física, o som estridente das buzinas pudesse mover os veículos.


O que os cineastas brasileiros nunca conseguiram entender é que a realidade é mais complexa do que uma simples luta entre o bem e o mal. E que bem e mal - assim como honestidade e caráter- independem de classe social ou nível sócio-econômico. Como efeito colateral, "5x Favela..." pode ajudar a educar a classe média (consumidora  majoritária dos filmes nacionais nas salas de cinema) mostrando que a dureza do dia-a-dia da população da periferia não impede que eles sambem, dancem forró ou "funk carioca", joguem sua pelada ou ainda realizarem seus churrascos na laje regados a "breja gelada" e caipirinha aos finais de semana com muita alegria. 


Diversão talvez necessária para repor as energias para os próximos cinco ou seis dias de labuta no transporte público lotado e nos trabalhos mal remunerados onde muitas vezes seus direitos trabalhistas não são respeitados.


"5x Favela - Agora Por Nós Mesmos" - Trailer:

http://www.youtube.com/watch?hl=en&v=Frn00bz3uns&gl=US

2 comentários:

  1. Já não é hora de virar o disco?

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  2. Anônimo, mas mal começamos! Temos um longo caminho para acertarmos a direção dessa discussão, para que então possamos tratá-la da melhor forma.

    Achei 5x Favela excelente. Agora foi por eles mesmos, e estão de parabéns! Os roteiros são ótimos,um frescor para o cinema nacional e para a imagem que foi construída das favelas e dos favelados.

    Abraços!

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