sábado, 11 de setembro de 2010
"Dueto Para Um": um belo espetáculo para todos
*Foto deste post: Reprodução/Divulgação
Quando comecei a me inteirar do mundo do teatro, meu amigo José Cetra resumiu em poucas palavras a primeira aula que deveria receber qualquer um que vá ao teatro, ao cinema ou mesmo que leia um livro: "o que vemos no palco, na tela ou lemos nas páginas de um livro não é a vida real. Até porque o cotidiano da vida real, quando posto em cena, no meu ponto de vista, torna-se chato". Obviamente, ficção e realidade são dois campos distintos, mas cuja troca entre ambos é constante. Além disso, a verossimilhança é recurso necessário ao fazer artístico e não há ineditismo nesta frase.
Isto posto, médicos sabem que o cotidiano da profissão pouco tem a ver com as peripécias intelectuais do doutor Gregory House, assim como jornalistas sabem que os fechamentos diários de cada edição de jornal são bem menos excitantes do que a vida de Bob Woodward e Carl Bernstein, a dupla responsável pela série de reportagens que desemboracam no escândalo de Watergate e na renúncia do presidente norte-americano Richard Nixon.
A despeito do escrito acima, alguns trabalhos artísticos chegam a tal rebuscamento que beiram um espelho quase que límpido da realidade. É o caso da peça "Dueto Para Um", em cartaz até 1o de outubro no Sesc Consolação, em São Paulo. A direção certeira de Mika Lins sobre texto do inglês Tom Kempinski trata da experiência das seis sessões iniciais de psicoterapia das quais participou a violocenlista Jacqueline Du Pré, mulher do maestro e pianista Daniel Barenboim, ao ser diagnosticada como portadora de esclerose múltipla. Terapeuta e paciente são interpretados por Bel Kowarick e Marcos Suchara, respectivamente, em atuações nas quais o público não precisa de muitos esforços para perceber a entrega total da dupla aos personagens.
Com música original de Marcelo Pellegrini, o trabalho conta com cenografia mínima e a boa idéia do palco giratório. Embora a velocidade da rotação do "tablado" devesse ser mais equilibrada durante as cenas, para que seu interessante efeito pudesse ser percebido plenamente. Neste contexto, também sentimos falta de um trabalho de iluminação mais consistente, marcando o início ou término de cada sessão de terapia, apenas para exemplificar.
O preto e branco que predominam tanto no cenário quanto no figurino que prima pela correção dão o tom correto para os diálogos que vão das profundezas da ironia, do sarcasmo e da maldade humana que fazem da fala uma faca afiada à candura, bondade e doçura que transformam esta mesma fala, de faca que machuca em arma que protege, preserva a vida e faz com que não nos sintamos sós no mundo.
Qualquer um que já tenha passado pelo sofá ou divã de uma sessão de terapia sabe que, se no encontro anterior com o terapêuta, o consultório e a conversa causaram a sensação da proteção do ventre materno, nada garante que a consulta seguinte não seja uma viagem ao quinto subsolo do inferno.
Neste sentido, a violoncelista caiderante de Bel Kowarick de rodas, e o terapêuta de Marcos Suchara fazem da platéia voyeurs priviliegiados que podem, da segurança de seus assentos, acompanhar uma representação muito verossímil do que são as sessões reais de terapia.
E, tão interessante e importante quanto, o belo trabalho destes atores é capaz de, ao mesmo tempo, demarcar os limites entre realidade e dramaturgia necessários para que a peça surgisse como teatro daquele dos bons e não como mera e falsa terapia em grupo.
"Dueto Para Um"
Texto: Tom Kempinski
Direção: Mika Lins
Elenco: Bel Kowarick e Marcos Suchara
90 minutos
Sesc Consolação
Espaço Beta - 60 lugares
Rua Dr. Vila Nova, 245 - Centro - SP-SP
R$ 10,00 (inteira)
Tel: 11-3234-3000
Quintas e Sextas - 21h
Até 1o de outubro
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Meu caro Emerson, eu nunca disse que a vida real é chata!! Afinal, eu vivo nela e com seus altos e baixos ela me fornece arrebatamentos, situações limites (boas e más) e assuntos que podem ser matérias primas potentes para o teatro. A trajetória de Jacqueline Du Pré é um bom exemplo disso e tenho certeza que o autor da peça (esta montagem eu ainda não vi)escolheu momentos limites dessas sessões de terapia para por em cena. O cotidiano da vida real sim, que quando posto em cena, no meu ponto de vista torna-se chato. Mas essa é uma outra história... Gostei de sua crítica. Deu mais vontade de ver a peça. Abração do José Cetra.
ResponderExcluirCaro Zé, correção sobre seu comentário feita e devidamente postada. Grazie!. Abrax! E.
ResponderExcluirDeu vontade de ver. Pelo gosto por teatro. Pela fé no ofício. E claro, pelos teus comentários, Emerson!
ResponderExcluirAbração,
Thaís