quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Festival Entretodos, eleições, cultura e jornalismo... (ou simplesmente, Respeitável público...)



Por Emerson Lopes da Silva


Público. Não. Não a palavra relacionada com "a coisa pública", mas sim aquele grupo reunido para assistir um show, um filme na sala de cinema, uma peça teatral, um espetáculo de dança ou uma exposição. Há uma busca por definições sobre este conjunto efêmero de pessoas que se encontram em busca de... de diversão, de experiências, aprendizados intelectuais, estéticos ou sensoriais...


Nesta procura, o que tem sido encontrado e identificado talvez não devesse ser escrito no singular. "Públicos" seria a melhor grafia para estes CONJUNTOS HUMANOS que, ao término de cada apresentação, como num passe de mágica, deixam de existir como unidade.


Antes do início do evento de abertura da terceira edição do Festival de Curta-Metragens de Direitos Humanos Entretodos, na última segunda-feira, 13 de setembro e 2010, a sala de espera do charmoso, e pouco visitado, Cinesesc em São Paulo não estava lotada, como costuma ocorrer quando sedia eventos cinematográficos ou quando sua programação chama a atenção dos frequentadores de cinema para além das salas multiplex.


Durante o coquetel pré-abertura, alguns presentes comentavam que Ferreira Gullar estava em noite de autógrafos duas quadras acima, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, na avenida Paulista. 


Talvez o famoso poeta, que com sua perseguição implacável ao governo Lula e ao próprio presidente, poderia muito bem ser chamado de "Ferrenho Gullar", esteja com mais ibope do que o tema Direitos Humanos ou mesmo do que o cinema de curta-metragens, ou ainda do que a premiada diretora Anna Muylaert, dos graciosos longas "Durval Discos" e "É Proibido Fumar". Ou quem sabe seja apenas o efeito colateral do período que antecede as eleições...


Ainda sobre política partidária e o momento máximo da política nacional, desde o último sábado, a região da Paulista poderia ser considerada "pró Marina Silva". Um verdadeiro cinturão "verde" no centro de Sampa, embora formado por dois quilômetros de prédios cortados pelo asfalto da avenida... Descontando, é claro, o Parque Trianon. 


A possibilidade da denominação surgiu baseada no fato de que, em várias bancas de jornal da região, a versão brasileira da emblemática Rolling Stone, cuja edição de setembro oferece três capas distintas aos leitores, estava com os números que traziam o retrato da ex-ministra do Meio Ambiente, trabalhado pelo ilustrador paulistano Marcelo Calenda, esgotados. Ao mesmo tempo, sobravam capas com Dilma e com Serra, ambas com toques do mesmo artista gráfico. Atender à segmentação de público talvez seja isso...


Voltando à abertura do Festival Entretodos de Curtas sobre Direitos Humanos, fato é que, na ocasião, os presentes foram brindados com uma verdadeira aula sobre os bastidores do cinema e a importância da música para o trabalho cinematográfico. Os detalhes foram apresentados por Anna Muylaert, intercalando com criatividade suas falas com a exibição de seu divertido curta de 1996 "A Origem dos Bebês Segundo Kiki Cavalcanti" e com trechos de "Durval Discos".


Visivelmente emocionada, a diretora começou sua "aula" após a apresentação ao vivo de duas obras de Vila-Lobos que integraram seu premiado "É Proibido Fumar". Ambas foram tocadas com maestria ao violão por um músico cujo nome foi, infelizmente, inaudível para este que escreve.


A influência dos pesados custos de pagamento de direitos autorais para inserção de músicas em filmes, em contraposição aos valores mais acessíveis pagos para criação de temas originais foi um dos pontos abordados. A diretora falou ainda sobre aspectos mais "artísticos", por assim dizer, da relação música-obra cinematográfica. Curiosidades a respeito do processo de escolha de cada tema também foram apresentados, todos de forma simples e didática por Anna Muylaert. Quem viu, viu...


Evento que pode ser considerado como um daqueles no qual há harmonia entre público e "espetáculo", a abertura do Entretodos, com seu aspecto, premeditadamente ou não, pedagógico faz pensar sobre um tema que motiva calafrios em alguns teóricos e artistas: a formação de público. Porém, é alta a probabilidade de que, após a fala da diretora, os olhos e ouvidos dos presentes à abertura do Festival estarem mais apurados durante suas próximas visitas aos cinemas. 


Embora alguns questionem as coincidências, na edição do último sábado do indispensável suplemento Sabático do Estadão, editado pelo tarimbado Rinaldo Gama, o diretor e dramaturgo italiano Eugenio Barba define "público" como "entidade sociológica" e diz preferir fazer um teatro que dialogue com o indivíduo, ou com pouca gente, do que uma peça para mais de 200 pessoas. E, de forma genial, o criador do Odin Teaert justifica sua escolha com a singela pergunta ao repórter: "Você mandaria seu filho a uma escola com 20 ou 200 alunos na classe?" Presto!


A discussão sobre ações pedagógicas em relação à arte não é novidade. Porém, tais iniciativas andam esquecidas na contemporaneidade. Este dado aponta para a importância de um certo processo educativo, ainda que básico, sobre as características próprias das variadas formas artísticas.


Caso isso ocorresse com mais frequência, certamente algumas pessoas entenderiam porque tantas óperas são cantadas em italiano, porque não há sensação de movimento em naturezas mortas, assim como outras compreenderiam a função dos programas das peças de teatro, mesmo quando distribuídos em espetáculos baseados em clássicos da literatura.


3o Festival Entretodos de Curtas de Direitos Humanos
13 a 19 de setembro - São Paulo - SP
Confira programação:
http://www.entretodos.com.br/


*Postado de um canto qualquer da cidade de São Paulo

Nenhum comentário:

Postar um comentário