quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Aspas para o lulismo no Estadão


Reprodução


O suplemento Aliás de O Estado de S. Paulo de domingo, 24 de janeiro de 2010, traz “entrevista” com André Singer, cientista político e ex-porta voz e secretário de imprensa de Lula de 2003 a 2007.

A reportagem de Ivan Marsiglia aborda o artigo “Raízes Sociais e ideológicas do lulismo”, publicado na mais recente edição da revista Novos Estudos, periódico do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), organização que acaba de completar 40 anos e da qual fizeram parte nomes como Fernando Henrique Cardoso, José Serra, entre outros. Confiram links ao final deste post.

Publicada na seção “Ponto por Ponto” do suplemento dominical, a entrevista tem formato peculiar: o texto é separado por subtítulos que começam com aspas – o que indica citação ou fala do entrevistado. Porém, o uso deste sinal ortográfico pelol jornal paulistano sai do convencional: os trechos são iniciados por aspas, mas elas não fecham ao término de cada período.

Tal estrutura poderia muito bem ser considerada erro de edição ou, mais grave ainda, erro do uso da Língua Portuguesa. Poderia... Não fosse a celeuma que causa durante a leitura, pois este "formato" impede que o leitor saiba onde começa ou termina a fala ou citação do entrevistado e onde começa ou termina o discurso do jornal, presente por meio do texto do jornalista autor da entrevista e de seus editores, responsáveis pela versão final do material a ser impresso.

Em outras palavras, com o uso deste sutil, mas importante "recurso", é quase - senão totalmente - impossível ao leitor perceber onde termina a fala do entrevistado e onde começa a interpretação editorial ideológica do jornal.

Como não é praxe no jornalismo o repórter mandar seu texto para a aprovação do entrevistado antes da publicação, o expediente da seção “Ponto por Ponto” do suplemento do Estadão tem um poder imenso, mas que só pode ser notado por leitores muito atentos ou por aqueles que entendem um pouco sobre as normas do jornalismo impresso e da prática do jornalismo impresso brasileiro.

Sob o título “Os descamisados de Lula”, a reportagem aborda a tese do filho de Paul Singer, segundo a qual “a partir da reeleição de 2006, o subproletariado, uma camada que sempre se manteve distante de Lula, aderiu ao seu projeto político – provocando um realinhamento eleitoral no País”.

Porém, a questão do engajamento político do subproletariado vai além da adesão à Lula. Não seria difícil supor que esta camada de excluídos – formada por analfabetos, semi-analfabetos, analfabetos funcionais, favelados, camelôs, todos eleitores que o são por pura obrigação legal-, nunca tenha se preocupado com temas políticos ou político partidários em termos de consciência cidadã ou ideológica, exceto em troca de algo que a beneficiasse imediatamente de forma a diminuir a dificuldade de sua subsistência material.

A reportagem do Estadão aponta que este subproletariado formador da base do lulismo teria o mesmo perfil dos “descamisados” da era Fernando Collor, em 1989. Diretamente beneficiada pelos programas sociais do governo, (ela) combina elementos de ideologia de esquerda e de direita.”

Saltando sem escala diretamente da era Collor para a era Lula, a reportagem permite intuir que o tal subproletariado – que formaria a base eleitoral de Lula-, desapareceu, ou melhor, foi esquecido como público alvo de medidas governamentais no período FHC. Mas ele estava lá.

André Singer aparece relacionando o lulismo ao populismo dos anos 50 e 60 na reportagem. Seria válida esta relação se considerarmos o movimento da história e as características do Brasil contemporâneo, com seus atuais aspectos sociais, políticos, econômicos e geopolíticos? Vejamos:

O subproletariado é apresentado na reportagem do Estadão em três momentos históricos:

I – “(...) Dos anos 80 para cá, as condições de vida dessa camada permaneceram intactas (...)”

II – “(...) Houve um momento de piora até meados dos anos 90, com a implementação de políticas neoliberais no Brasil. Depois, uma certa melhora, após o Plano Real (...)”

III – “(...) No cômputo final, ficou como estava – até o governo Lula.(...)”

Em relação ao impacto do Plano Real sobre este grupo, não seria absurdo dizer que eles foram atingidos "por tabela", numa espécie de acaso colateral, já que o plano não tinha esta camada como seu alvo principal, óbvia e notoriamente.

A reportagem define esta camada da sociedade brasileira como “conservadora e progressista ao mesmo tempo. Não aposta em conflitos sociais que ameacem a ordem, mas se mostra fortemente favorável a ações do Estado para a distribuição de renda.” Uma ambiguidade tão complexa quanto a identidade e os valores do Brasil e de sua gente, refletida neste grupo, que tem como foco principal sua subsistência em termos de sobervivência individual e familiar.

Segundo a reportagem, os membros setor da sociedade local “projetam sua aspiração em alguém que está no alto (...). Assim, no Brasil de 1989, a identificação dos eleitores de baixíssima renda foi com Collor. Em 2006, com Lula.” (...) “Os números da eleição de 2006 mostram claramente uma polarização entre ricos e pobres”.

É interessante perceber que, nesta polarização, parte da classe média tradicional brasileira tendeu a ficar do lado dos ricos, como sempre fez historicamente.

Pergunta: Teria, em 89, o discurso do PT se tornado demasiadamente “classe média” (burguês?) a ponto de não se fazer entender, ou mesmo de não interessar aos subproletários?

Segundo informa a reportagem, “(...) para um trabalhador que vive boa parte do tempo desempregado ou na informalidade, a desordem parece sempre prejudicial”. Daí a constatação de Lula logo após as eleições de 89, segundo publica o jornal paulista: “A verdade nua e crua é que quem nos derrotou, além dos meios de comunicação, foram os setores menos esclarecidos e mais desfavorecidos da sociedade. (...)”

Devido a esta questão, o professor Francisco de Oliveira é trazido à reportagem: "Em minha opinião, foi cumprida, sim, uma agenda reformista. Ao mesmo tempo, porém, adotaram-se condutas de manutenção da ordem que fazem parte da composição ideológica do subproletariado.(...)”, diz. Ou seja, mais uma vez, o Brasil mudou, pero no mucho, no que se refere à vida pública nacional.

Os dois pontos levantados pelo professor atingem diretamente (e positivamente) dois grupos formadores da sociedade brasileira: a elite econômica e o subproletariado. O primeiro, com a “manutenção de uma alta taxa de juros, a elevação do superávit primário e a garantia de liberdade para o capital por meio do câmbio flutuante”, segundo a reportagem.

Já ao segundo grupo foram reservadas medidas como o "Bolsa-Família, o aumento do salário mínimo, o crédito consignado, a redução do custo da cesta básica e o (programa) Luz Para Todos (, ações que) produzem uma mudança perceptível nas condições de vida” do lumpenzinato local.

Portanto, não seria absurdo inferir que este contexto também foi positivo para a sempre “reclamona” classe média tradicional brasileira, já que nenhuma medida governamental afetou negativamente seus empregos, salários, padrão de vida ou poder aquisitivo.
Pop-lulismo

Voltando à questão do populismo,a reportagem associa o termo às políticas varguistas “como a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT)”, o que, em verdade, o distanciaria do lulismo, já que o governo atual tem ações voltadas àqueles que estão fora do mercado formal de trabalho e portanto fora do âmbito da CLT.

Estaria aí a diferença entre o Petismo e o lulismo: o primeiro teria “aburguesado-se” tanto na prática quanto no discurso, devido a presença de “intelectuais, estudantes, parte da classe média, grupos organizados em sindicatos e associações, além da presença de vários funcionários públicos em seu corpo, conforme a reportagem.

Por sua vez, o lulismo teria características populares (popularescas?) que o permite um discurso que a população da periferia e das favelas paulista e dos subúrbios e morros cariocas entendem perfeitamente.

Não é à toa que, ainda segundo a reportagem, “nas eleições de 2006, quando o PT não foi bem nas capitais, (...) venceu na extrema periferia e no entorno dela”, talvez graças à fala simples e direta do então candidato Luis Inácio Lula da Silva.

Assim, a era Lula seria - ainda conforme a reportagem do Estadão-, “a possibilidade de (o PT) incorporar esse setor que está se expressando por meio do lulismo”. Será que o Partido dos Trabalhadores conseguirá? A pergunta é cabível já que a vitória petista de 2008 pode ser considerada nada mais do que um efeito colateral de algo que naquela altura ainda não era denominado como lulismo, mas que já existia de forma embrionária.

Interessante o fato de a “entrevista” com André Singer ser finalizada com a intuição do cientista político sobre o que seria o lulismo: não “uma adesão pessoal ao Lula e seu carisma, mas ao programa político que ele representa.” Para Singer, “vai ser uma eleição apertada”.

Por enquanto, vou tomar um chá...
Revista Novos Estudos:
"Entrevista" de André Singer para o Estadão:

Nenhum comentário:

Postar um comentário