quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

O delírio de Ferreira Gullar

Imagem: Reprodução


“Realmente... “Uns mentem, outros deliram...””

Um dos mais importantes poetas brasileiros, Ferreira Gullar, anda testando novo gênero para a Literatura Brasileira em seus artigos dominicais publicados no caderno Ilustrada, da Folha de S.Paulo.

Em 24 de janeiro de 2010 houve mais um experimento; unir a prosa a algo que poderíamos designar de “metáfora do delírio” (ou, quem sabe, “delírio metafórico prosaico”). Fica para o leitor a escolha da melhor denominação para a prosa delirante do famoso poeta.

Seu texto inicia analisando o expediente do maniqueísmo nos dias de hoje. Porém, conforme o autor, “seria simplificação excessiva” olhar a realidade

política brasileira por tal prisma. A despeito de sua própria afirmação, Gullar faz uso da questão do maniqueísmo para abordar o eterno tema do “mundo político” brasileiro.

Mesmo escrevendo que “os valores éticos não podem ser relativizados”, o poeta os relativiza a partir do critério do sujeito. Assim, segundo seu texto, pessoas públicas deveriam ter determinados valores éticos, enquanto para o sujeito mundano o espectro seria outro.

Ferreira Gullar apenas se esquece de um ponto básico: postos (de trabalho, por exemplo) públicos ou privados não têm o poder de alterar os valores éticos intrínsecos à cada indivíduo. Básica, senão óbvia esta constatação.

Assim, caberia ao ocupante de determinado cargo (em âmbito público ou privado) seguir as regras que regem a categoria na qual estivesse inserido. Fossem elas expostas no “manual do funcionário” ou na Constituição Federal.

Na sequência de seu artigo, Ferreira Gullar chega à questão da culpa judaico-cristã; culturas seculares que tanto usam as estruturas maniqueístas em seus discursos dogmáticos. O poeta o faz com o intuito de questionar o “pecado” da “mentira”.

Mas não somos mais ingênuos e, neste início de século, sabemos que a humanidade não é dividida entre mocinhos e bandidos, mas sim estruturada em uma forma mais complexa, com imbricações das quais decorre a possibilidade da construção da verdade. E, se podemos construir a verdade, por que não poderíamos construir também a mentira?

Sobre este ponto, apenas uma exceção, a “verdade factual” sempre lembrada pelas teclas da imaginária máquina de escrever de Mino Carta. Antes de ser verdade, esta é fato. Daí ser irrefutável.

Diante destes pontos, fica difícil não olhar para o texto de Ferreira Gullar com um sentimento de compreensão, atitude que devemos ter com aqueles que crêem em suas “verdades absolutas e inquestionáveis”.

Mais adiante, o articulista escreve - em tom que flerta com o escândalo ou a indignação -, que “a maioria da opinião pública sabe (que os políticos) mentem”. Ora, se todos os lados estão cientes de si e nada muda, então está tudo bem... Apenas, mais uma vez, a realidade de comportamento da pessoa pública ratifica e mostra aos brasileiros alguns de seus “verdadeiros” valores, nem tão nobres assim.

Gullar aponta para a necessidade de as pessoas públicas seguirem “com rigor e transparência as normas éticas (...)”. Retomando o raciocínio... Existindo uma ética coletiva, tal qual indica o autor do artigo, ela só pode vir da coletividade, assim como os políticos eleitos só podem ser eleitos pela (mesma?) coletividade.

Uau! Sendo assim, então os representantes – sejam eles em âmbito municipal, estadual ou federal-, estão cumprindo com suas obrigações representativas perante seus eleitores, formados pela coletividade. Se o eleitorado da Braziland democrática, que sabe que seus políticos mentem, mantém este grupo em seus cargos, então a responsabilidade está dividida entre ambas as partes.

Porém, Gullar, insiste que “o resultado é que importa, o pragmatismo está acima da ética”. Seria mesmo possível colocar ambas questões (“pragmatismo” e “ética”) nesta relação hierárquica? Talvez sim. Do mesmo modo que seria possível dizer que os dois temas existem de forma independente e em espectros e âmbitos diferentes.

O poeta ex-concretista aponta ainda em seu artigo para a mais batida das recentes teorias ideológicas; a de que o atual presidente mentiu por não “dizer que herdou” (as medidas políticas) de seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso. Terá ou não o presidente Lula usado o verbo “herdar” em relação a este tema em algum momento de seus dois mandatos? Cabe aí uma minuciosa investigação jornalística ou de cunho acadêmico sobre a questão.

A despeito do uso ou não do verbo, o fato é que a percepção do atual presidente, e de seu grupo de governo, em relação à existência de pontos eficientes no programa governamental de seu antecessor pode ser o motivo pelo qual ele e sua equipe apenas os tenha aprimorado - ao inés de eliminá-los, num movimento de querer “reinventar a roda”, prática tão comum a cada novo mandato da história política brasileira.

Devido ao fato de o atual governo não ter partido para a prática da “reinvenção da roda”, sobrou-lhe a alcunha de mentiroso: “aceitar que deve grande parte de seu êxito ao adversário o que desarmaria a tese segundo a qual ele, Lula, não é apenas mais um presidente que o povo elegeu, e sim, o único até hoje eleito, que efetivamente o representa (...)”.

Tanta celeuma porque o atual presidente talvez tenha utilizado um expediente chamado “bom senso” em sua forma de governar... Um atributo humano tão simples e tão pouco usado pela espécie humana (vide a crise financeira e os problemas com poluição em todo o planeta, só para citar dois exemplos imediatos).

Mais uma vez nosso astigmatismo ancestral nos impede de ver o que o mundo inteiro está vendo, tanto em relação ao país quanto ao seu atual presidente. Ou o mal do séculko seria uma miopia planetária em relação ao Brasil e seu presidente? Façam suas apostas.

A respeito deste ponto, o poeta faz a contraposição de uma possível “mistificação” a “argumentos lógicos” para explicar o fato de determinado extrato da sociedade brasileira sentir-se representado por um presidente nordestino, retirante e sem alfabetização completa de origem pobre (se não miserável). Onde está a inverdade desta identificação?

A pergunta final é: desde quando um governo, ou o mundo foi comandado simplesmente à base de argumentações lógicas? Esta questão tem um peso ainda maior aqui na Braziland, onde a emotividade latina faz parte do cerne do povo, assim como a visão herdada dos primeiro colonizadores, segundo a qual esta terra não seria de ninguém, portanto de todos.

Uma peculiar inversão do sentido de bem e espaço públicos que – infelizmente – perpetuou-se na realidade brasileira e pode ser conferida no simples gesto do indivíduo que joga papel na rua, ao invés de guardá-lo para jogar no lixo caseiro ou na cesta mais próxima.

Mas talvez isso tudo seja apenas um aspecto do caráter da terra que pariu Macunaíma.

Link para artigo (somente para assinantes Folha e UOL):

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2401201022.htm


Vou tomar um chá...

Um comentário:

  1. Emerson querido, você ainda tem paciência pra ler o Ferreira Gullar? Eu não leio, até para conservar a imensa admiração pelo poeta, que sempre tive. Outro que envelheceu mal, renegou seus ideais e virou mais um velhinho reacionário.

    beijão, Saudades, Dóris

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